Nietzsche, e o preocupante amadorismo do MP-SP

Rafilsky Ferreira
2 min readMar 11, 2016

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Independente de concordar com o pedido de prisão preventiva sobre Lula pelo Ministério Público de SP. O amadorismo na elaboração do laudo chamou bastante atenção nas redes sociais onde os nomes de dois filósofos alemães foram confundidos. Entenda porque o caso é ainda mais preocupante.

O Ministério Público é o órgão responsável pela ordem democrática e aplicação da justiça e claro, sustentado com o dinheiro público. (O salário inicial de um promotor é de 21 mil R$). O mínimo que se espera de um órgão desse porte seja um pouco de profissionalidade.

No laudo, além de confundir os dois pensadores alemães Hegel e Engels, o promotor também faz uma lambança com outro filósofo alemão que também se chama Friedrich mas de sobrenome Nietzsche. O erro fica a uma pobre leitura do trecho de “Assim Falou Zaratustra”, um livro em prosa que serve como síntese de toda a obra do filósofo, a citação considerada segue:

“Nunca houve um Super-homem. Tenho visto a nu todos os homens, o maior e o menor. Parecem-se ainda demais uns com os outros: até o maior era demasiado humano.”

O promotor usa o trecho para defender uma igualdade de direitos de todos os cidadãos, quando na verdade o personagem do livro defendia uma ascensão do humano ao estado de além-homem (ubermensch) e diz, em tom de lamento, que nunca um homem antes dele conseguiu romper completamente das amarras dos valores morais da civilização.

Nietzsche é um pensador de difícil compreensão e eu entendo quando, por exemplo, um jornalista exportivo faz uma leitura porca do pensador. Mas um promotor que falha em entender um ponto tão crucial de um autor tão importante para o pensamento filosófico é simplesmente uma vergonha.

Talvez a explicação seja o uso de uma tradução vagabunda de uma edição da Martin Claret citado na bibliografia. Os livros da editora são de acesso comercial para curiosos sobre filosofia, não para serem usados como tese pelo ministério público. Imagino que o salário de um promotor possa garantir uma biblioteca mais rica do que a de livros de banca de jornal.

Para se defender do caso, o promotor José Carlos Blat disse para os cidadãos preocupados com a leviandade do laudo que: “Vão caçar o que fazer. Vão catar coquinho” e pergunta: “Numa peça de 200 laudas, falando de crimes essenciais, vão preferir ficar discutindo a filosofia?”. Ora, sim! Exatamente isso!

Eu sei que não temos um passado recente que valoriza a democracia e a transparência, mas é trabalho de todo cidadão questionar sim tal lambança e amadorismo em um pedido de prisão a um ex-Presidente da República. Se Nietzsche tivesse algo a dizer sobre o caso, seria certamente uma crítica incisiva a mediocridade do promotor.

Originally published at arengatv.wordpress.com on March 11, 2016.

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Rafilsky Ferreira

Formado em História com pós em História da Arte e Literatura Inglesa. Redator, escritor de ficção e apaixonado por cervejas.